Acordei um pouco mareado. Não tenho noção do tempo mas sei onde estou. O meu quarto é o lugar mais aconchegante do mundo nesse momento. Meio fedido, mas aconchegante. Também pudera. A quantidade de bebida que eu consumi ontem à noite é quase um insulto à boa forma e um atentado ao fígado. Mas fôda-se o fígado. Tenho preocupações mais importantes agora, como conseguir me levantar.
Domingo insólito. Sem sol, sem chuva, uma merda. Esse é o pior dia da semana, sem dúvidas. Nos outros pelo menos eu tenho a motivação, ou vamos chamar de obrigação, de ir trabalhar. Mas hoje não. Não tenho nada pra carimbar, nenhum prazo pra aumentar naqueles processos do cartório alucinado onde eu trabalho.
Não tenho fome e está tudo meio confuso. Quando me levanto parece que estou no meio de uma turbulência dessas que acontecem em vôos de cruzeiro em que o chão perde a função que tem, de me segurar. Então vou me apoiando nos móveis até a porta do banheiro. Tento me recompor e faço isso atendendo a algumas necessidades do corpo.
Com a cabeça explodindo consigo chegar à cozinha. Qualquer barulho é um estrondo. Ainda bem que os meus vizinhos barulhentos estão viajando. Consigo colocar os ingredientes na cafeteira e faço um café forte que me dá um pouco de ânimo, apesar da náusea persistente.
Estou sentado ali, olhando pela janela da cozinha e vejo outras janelas, outras cozinhas e outras pessoas. Algumas rindo, outras mau humoradas, outras não sei. Mas há uma janela que me chama a atenção. Tem um sujeito sozinho, mais ou menos da minha idade, com uma xícara na mão e também olhando pela janela como eu. Fico imaginando que há um universo paralelo e que aquele indivíduo sou eu em outra dimensão. É como se no mesmo espaço/tempo coexistissem realidades ou cenas diferentes com os mesmos personagens. Se isso fosse possível, eu gostaria muito de poder dar uma olhada neles e perceber como esses outros eu’s se comportam. O que está acontecendo nas nossas vidas nos mesmos dados momentos nessas várias janelas do tempo.
Consigo me imaginar na vida e na pele daquele sujeito. Está olhando pela janela e, entre outras visões, detecta um outro indivíduo parecido com ele que, com uma xícara na mão, está olhando pela janela e, entre outras visões, identifica outro indivíduo parecido com ele que, com uma xícara na mão, está olhando pela janela e, entre outras visões, identifica outro indivíduo parecido com ele que, com uma xícara na mão…
Chega!
Entrei em looping e fiquei mais tonto do que já estava.
Vou parar com esse negócio de universo paralelo. Essa minha experiência não deu muito certo. Mais parece um universo em espiral que volta sempre à mesma coisa. Tá ficando chato isso.
Então, me levanto e vou dar comida para o meu gato, Sófocles que está olhando pela janela, entediado como eu. Talvez ele também esteja no mesmo looping que eu estava há pouco. Olho pela janela e lá está. Um gato olhando pela janela.
Esse mundo é um espelho mesmo.
É tudo igual. Fazemos tudo igual. Somos todos cópias, todos clones.
Vou ficar aqui quietinho esperando a segunda-feira chegar e repetir tudo de novo.
Sábado que vem eu tomo um porre e me preparo novamente pro reinício do meu universo paralelamente repetido e monotonamente igual.
Muitas vezes temos que nos policiar para ver se realmente não estamos em um loop de vivencia. Sair da rotina, fazer algo novo, trazer algo novo, pensar diferente. Resiliência em nossas vidas. Parabéns pelo texto.
Jean. São reflexões para divertir e, às vezes, para pensar. Obrigado pela visita.