Tudo aconteceu muito rápido. Foi uma abertura do obturador da minha máquina fotográfica. Eu nem estava tentando fotografar alguém. Instalei o tripé calmamente nivelando-o nas irregularidades da calçada. Regulei a altura do equipamento. O enquadramento era o de uma paisagem distante a partir daquela posição estratégica no cruzamento da Rua Constantino Vieira com a Souza Lopes.
O dia estava claro, fim de tarde, com a luz apropriada para o meu intento. Tudo o que eu queria era a foto daquele sobrado no alto da colina, espremido entre uma casa velha e uma construção em andamento. Isso porque eu sabia que, mais dia menos dia, aquela obra da arquitetura iria desaparecer do cotidiano da nossa cidade e já era hora de ter um registro fiel do que fora há muitos anos, a casa de um importante artista plástico da nossa região. Alguém tinha que fazer aquilo e eu estava lá para cumprir a missão.
O foco estava corrigido, a luz perfeita e o ângulo adequado. No momento em que apertei o botão que dispara a mágica dos espelhos e lentes, vi uma sombra se aproximando. Era a silhueta daquela maravilhosa criatura que iria perturbar meus sonhos por muitos anos. Não consegui vê-la corretamente. Mas assim que ela cortou a frente da lente da minha Rolleiflex, enquanto aquele barulhinho dos mecanismos circulantes e pendulares da caixa de imagens me dizia que o tempo poderia parar naquele instante, aquela mística imagem, um misto de névoa e calor, passou ao meu lado. Meus olhos se cobriram de sombra e pelo meu olfato fui seduzido por um perfume desorientador que se instalou no meu tórax e me arrepiou todos os pelos do corpo.
No próximo quadro, quando consegui sair da posição abaixada em que me encontrava, me virei rapidamente para trás, ainda inebriado e tentei identificar junto a muitos transeuntes que iam na mesma direção, quem era aquela mulher, mas não consegui. Não podia largar tudo ali e sair correndo atrás dela. Fiquei extasiado e angustiado ao mesmo tempo. O monumento não estava parado na colina. A obra da arquitetura mais perfeita tinha acabado de cruzar a minha vida e atravessar a minha alma. Até aquele momento, eu não sabia que a primavera poderia durar um segundo.
Voltei pra casa. Preparei tudo para revelar as fotos e não me contive de alegria quando vi que a arte e a tecnologia juntas, mais uma vez poderiam me surpreender. Lá estava ela. Linda, em um vestido esvoaçantemente florido, parecia que acabara de escapar de um quadro da Renascença, carregado de flores a óleo e o verniz da luz do dia sobre tudo. Dava para adivinhar toda a geografia perfeita daquele corpo moreno embaixo de uma pele de flores. Era só uma imagem. Uma imagem de um mínimo lapso de tempo.
Nunca mais a vi. Não procurei. Nem mesmo sei se existiu de verdade ou aquele episódio foi somente um desejo da minha imaginação revelado em papel fotográfico. Já faz muito tempo. Mas aquela mulher sem identidade, sem história, passou a fazer parte dos meus sonhos, do meu sono e da certeza de que Einstein estava certo sobre a relatividade espaço-tempo. Um segundo pode durar uma vida inteira.
