Os Des-Iguais

Os Des-Iguais

Planeta Terra

Ano local nº 2622

L.V.P.A.

Laudo Verificação Pós-Apocalíptica

Ao

Sr. DEUS

Prezado Senhor

Cumprimentando-O, temos o (des)prazer de informar-Vos que, após várias verificações de fácil observação, constatamos que o motivo do desvalimento total e completo desse mísero planeta, foi principalmente a falência múltipla das estruturas sociais que se achavam diferentes, e que de tanto acharem-se diferentes, deformaram completamente a Vossa Obra, e “detonaram” com a Vossa Criação. E a palavra “diferentes” aqui quer significar exatamente isso: não iguais.

Considerando que:

1. Dentre todos os seres hereditariamente descendentes da espécie Homo Sapiens habitantes desse planeta, havia vários tipos distintos. Alguns ficaram mais ao Norte, outros mais ao Sul, outros mais ao Centro. Alguns cresceram mais porque se acostumaram a retirar os frutos das árvores. Outros ficaram mais baixos porque se alimentavam de raízes. Enquanto os medianos gostavam tanto de raízes quanto de frutos. Esses não cresceram muito, mas podiam abaixar-se regularmente para extrair as raízes.
   
2. Cabelos, uma espécie de musgos altamente resistentes, cresceram de todo jeito nas cabeças desses seres. Enrolados, brancos, dourados, vermelhos, pretos como a noite, lisos como trigo, espevitados como os do ouriço.
   
3. Os olhos foram se moldando de acordo com a luminosidade e o tamanho dos dias e noites. Azuis, escuros, turquesas, pretos, cor de mel e esverdeados. No formato classificavam-se em: espichados como um raio de luz; elípticos como um ovo de galinha; redondos como o mesmo ovo de galinha visto de cima. Mas o branco do olho era o mesmo para todos eles.
   
4. As peles, uma cobertura superficial, fina e frágil, eram comuns a todos esses cristais seres. Foram encontradas de características também variadas. Todas reluzentes. Claras, escuras, meia-lua, caramelos, douradas, pintadas com pincéis de pelo de camelo, prateadas, cheias de pintas como os guepardos, cheias de noite como o infinito.

Concluímos então que:

1. Mesmo havendo vários motivos para que esses tacanhos seres tivessem sido extintos nesses parcos seis mil anos terrenos, a cor da pele foi o principal dentre esses.
   
2. Os de pele clara escravizaram os de pele escura.
   
3. Os de pele escura escravizaram os de pele muito escura.
   
4. Os de pele pintada foram escravizados pelos de pele não pintada.
   
5. Os de pele dourada, como se achavam a última cocada do pacote, tentaram escravizar todos os outros mas se deram mal.
   
6. Os de pele prateada, que por sua vez, tinham mais “prata” apesar de representarem a menor população, brigaram com todos os outros, mataram muitos e escravizaram os que sobraram.
   
7. No fim, como eram muito superiores, os prateados, exclusivos, altivos e metálicos, quase inoxidáveis, não amavam mais. Assim, não sentiam mais, não choravam mais, não se reproduziam mais e foram envelhecendo até virar “prata velha”. Uma porcaria de gente que, de tão endurecida, não conseguia mais nem morrer direito.

Para tanto, recomendamos que: (com todo o respeito) na próxima vez que Vossa “Iluminessência” resolver brincar de Criador, que considere as seguintes observações:

1. Seres com o sentido da visão são muito celetistas. Se tiverem visão que sejam pelo menos daltônicos para não ficarem achando que a cor da sua pele é mais importante que a dos outros.
   
2. Seres com o sentido do olfato são muito chatos. Se tiverem nariz que seja só para respirar e não para cheirar ou segurar os óculos. Porque se Vossa “Onipotentessência” humildemente seguir a recomendação anterior, isso tampouco será necessário.
   
3. Seres com o sentido do paladar são muito exigentes. Sempre ficam comparando os gostos. Discutem e repercutem suas culinárias em suas vidas. Se é para dar problema, melhor não tê-lo. E o maior problema nesse caso não é o paladar que está enraizado na língua, mas a caverna onde ela mora. A boca é um aparelho desgraçado, para não parecer muito rude. Através dela é que saíram todas a maldades do mundo.
   
4. Seres com o sentido do tato são muito sensíveis (parece redundante mas é assim). Para ter tato é preciso ter pele. E, “lessons learned”, essa camada de células fragilmente agrupadas sobre a mesma viva carne vermelha de todos aqueles seres, já gerou muitos problemas.
   
5. Seres com o sentido da audição também podem ser monótonos e perspicazes, às vezes. Porém, se todas as quatro recomendações anteriores forem seguidas, não tem problema. Orelha é a solução. Crie seres somente com orelha. Aliás, não precisa ser um ser. Basta ser uma orelha. Sendo assim, não vão atrapalhar a ecologia, o clima e nem a vida de outros seres. E, de quebra, vão ficar “curtindo” o barulhinho da Vossa maravilhosa Criação pela eternidade sem fim.

Sendo o que tínhamos para relatar, subscrevemo-nos, mui respeitosamente.

Esse documento vai assinado por mim e certificado pelo I.M.L.

Instituto dos Médicos Lunáticos

Via Láctea – Universo